 
 O amor acaba?
 O cara disse. Numa esquina, num domingo, depois
 do teatro e do silêncio, na insônia, nas sorveterias, como se lhe 
faltasse energia. 
Ele não volta? 
Não deixa rastro ou renasce?
 Na esquina
 em que se beijaram uma vez, lá está, na sombra apagada pela luz, na 
poeira suspensa, na revolta da memória inconformada. 
Na solidão, lá vem 
ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos 
perdidos, que vida sem sentido… 
Na insônia, o amor cai como uma tonelada
 de lápide,
 e se eu tivesse feito diferente,
 e se eu tivesse sido 
paciente, 
e se eu tivesse insistido,
 suportado, indicado, transformado, 
reagido, escutado, abraçado?
 Na sorveteria, ele volta, o amor, em 
lembranças. 
Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura 
era a preferida dela, 
aquela sorveteria era a preferida dela,
 aquela 
esquina, 
aquele bairro, 
aquele clima,
 aquela lua, 
aquele mês, 
aquela 
temperatura,
 aquela raça de cachorro, 
aquele programa de fim de tarde e 
aquele horário sem planos…
 No elevador, quantas saudades daqueles 
segundos em silêncio, presos na caixa blindada, vigiados por câmeras 
camufladas, loucos para se agarrarem, rirem, apertarem todos os botões, 
tirarem a roupa, escreverem ao lado do Atrasado: “Eu te amo”. 
Saudades é
 amor.
 Não se tem saudades do que não se amou. 
O amor não acaba, porque 
tenho saudades, me lembro dela, me preocupo com ela, 
torço por ela,
 e se
 sonho com ela, meu dia está feito. 
O amor não pode acabar, porque sem 
ela ou sem a esperança de revê-la, até a chance de tê-la de volta, não 
vejo a paz.
 Ela é uma trégua na minha guerra pessoal contra a minha 
paixão por ela. Amá-la me faz bem. 
Mesmo que ela não me ame, amo amá-la.
 Continuei amando desde o dia em que terminou. 
Passei meses amando como 
se não tivesse acabado. 
Ficaria anos amando mesmo se não tivesse 
voltado.
 O amor não acaba, muda.
 O amor não será, é.
 O amor está. Foi.
 Nas tantas músicas que ouvimos, que dançamos colados, trilhas das noites
 frias em que você sentava em mim nua, enquanto os meus braços 
imobilizavam os seus. Amor. 
O não-amor é o vazio.
 O antiamor também é 
amor. 
Eu te amava quando você respirava no meu ouvido.
 Lembra do meu 
dedo dentro de você? Amo-te, amo-te, amo-te. Instante secreto, sua boca 
incha, seus olhos apertam, suas unhas me arranham e você diz: Eu te amo! 
 O amor acabou quando você se foi? 
Você sentiu saudades das minhas 
paredes,
 das cores das minhas camisas, 
da umidade da minha boca, do 
cheirinho do meu travesseiro, 
da minha torrada com mel, 
das noites 
pelados assistindo à tevê, 
dos vinhos entornados no lençol, 
do café da 
manhã com jornal, 
você sentiu falta de atravessar a avenida comigo de 
mãos dadas,
 de correr da chuva,
 de eu te indicar um livro, 
do cinema 
gelado em que vimos o filme sem fim, 
torcendo para acabar logo e 
ficarmos a sós, 
você sentiu falta da minha risada, inconveniência,
 de eu
 ser seu amante, noivo, amigo e marido, 
dos meus olhos te espiando,
 dos 
meus dentes mordendo e mastigando,
 ficou tanto tempo longe e pensou em 
nós especialmente bêbada ou louca, queria me ligar,
 me escrever, 
meu 
cheiro aparecia de repente,
 meu vulto estava sempre ali, acaba?
 Diz que 
acaba. 
Como acaba? 
Não acaba.
 Diz, não acaba.
 Repete. Falei?
 Não acaba.
 Pode virar amor não-correspondido.
 Pode ser amor com ódio, paixão com 
amor. 
Tem o amor e o nada. 
Ah, mais uma coisa.
 Antes que eu me esqueça. 
O
 amor não acaba.
 Vira.
 Se acabar, não era amor.
(Marcelo Rubens Paiva) 
será?
Paulo Mendes Campos disse que,
“O amor acaba.
 Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, 
depois de teatro e silêncio;
 acaba em cafés engordurados, 
diferentes dos
 parques de ouro onde começou a pulsar; 
de repente, ao meio do cigarro 
que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro
 repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas;
 na acidez da 
aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não 
veio;
 e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos 
saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; 
 como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado;
 na insônia dos
 braços luminosos do relógio; 
e acaba o amor nas sorveterias diante do 
colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos…”
e pra você...o amor acaba?
 
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